A gigante Stellantis, responsável por marcas como Fiat, Jeep, Peugeot, Citroën e Ram, acaba de dar um passo ousado na economia circular automotiva no Brasil. Com a inauguração do primeiro centro de desmontagem de veículos da América do Sul, a empresa passa a não apenas produzir e vender carros, mas também a desmontá-los, reciclá-los e revendê-los — inclusive modelos de outras montadoras, como Honda e Chevrolet.
O projeto, batizado de Circular Autopeças, está localizado em Osasco (SP) e marca uma nova fase para o setor automotivo nacional, unindo sustentabilidade, tecnologia e estratégia comercial. Essa unidade é apenas a segunda do tipo no mundo dentro da Stellantis — a primeira está em Turim, na Itália, berço da Fiat.
Como funciona o novo centro de desmontagem da Stellantis
O galpão foi pensado para ser eficiente, limpo e altamente tecnológico. Tudo começa com a chegada dos veículos, que podem vir de três origens principais: carros de testes internos da montadora, que antes eram destruídos; modelos adquiridos em leilões de seguradoras; e, futuramente, unidades de frota ou até mesmo de consumidores.

Antes de qualquer parafuso ser removido, o carro passa por uma varredura digital completa, onde é feito o levantamento de seu histórico. Na sequência, acontece o processo de descontaminação, onde todos os fluidos são removidos com segurança. A partir daí, o veículo segue para os boxes de desmontagem, onde cada peça é cuidadosamente retirada, analisada e classificada.
Classificação das peças e critério de revenda
Após a desmontagem, cada componente é avaliado de acordo com o seu estado de conservação. A Stellantis adota uma escala de 0 a 9, sendo que apenas as peças com nota a partir de 5 são preparadas para serem vendidas ao público. Já os itens com notas inferiores são descartados e encaminhados a empresas especializadas para reciclagem ou descarte ambientalmente correto.
Componentes como faróis, volantes, turbinas, radiadores, rodas, módulos eletrônicos e eixos já fazem parte do catálogo inicial. O estoque atual gira em torno de 2.400 peças, mas a meta é chegar a 10 mil unidades disponíveis nos próximos meses.
Essas peças recondicionadas serão anunciadas em um e-commerce próprio, via Mercado Livre, WhatsApp comercial e também em uma loja física instalada no mesmo endereço do galpão.
Sustentabilidade na prática: menos CO₂ e mais economia para o consumidor
Um dos principais ganhos dessa operação está no impacto ambiental. Segundo a Stellantis, uma peça recondicionada pode emitir até 50% menos CO₂ em comparação a uma peça nova. E essa redução não é o único atrativo. O preço das peças recicladas pode ser até 50% mais baixo, especialmente para componentes com nota 9 — os mais bem conservados.

Dessa forma, o consumidor final também sai ganhando: menos custo na manutenção, acesso a peças com origem garantida e um produto com padrão de qualidade monitorado pela própria montadora.
Capacidade e projeções: até 8 mil carros desmontados por ano
Com investimento de R$ 13 milhões — parte dos R$ 32 bilhões anunciados pela empresa em 2024 para o Brasil — o centro de Osasco tem capacidade de desmontar 8 mil veículos por ano e gerar 150 empregos diretos até 2027.
A estrutura também tem potencial para transformar a logística reversa do setor automotivo, dando destino certo a uma fração que hoje é amplamente desperdiçada. No Brasil, estima-se que cerca de 2 milhões de veículos chegam ao fim da vida útil anualmente, mas apenas 1,5% têm destinação adequada. A Stellantis quer ajudar a mudar esse número.
Rivais na esteira da reciclagem? Sim, e com autorização legal
Outro aspecto curioso é que o projeto não se limita às marcas da própria Stellantis. Na linha de desmontagem, foi possível ver modelos como o Chevrolet Onix e o Honda WR-V, que não fazem parte do portfólio do grupo. A legislação permite esse reaproveitamento desde que os veículos estejam devidamente regularizados e tenham sido adquiridos de forma legal — como é o caso de carros sinistrados de seguradoras.

Aliás, a legalização de cada veículo é fundamental. O processo exige que todo carro receba diagnóstico detalhado antes do desmonte e que o número do chassi seja registrado em sistema. Essa etapa garante segurança jurídica e rastreabilidade total das peças vendidas.
Mercado de peças recondicionadas pode ganhar novo fôlego no Brasil
Com essa iniciativa, a Stellantis pode abrir caminho para uma nova era no mercado de reposição automotiva brasileiro. O consumidor passa a ter uma alternativa oficial, com garantia e origem confiável, para manter seu veículo em funcionamento sem recorrer ao mercado paralelo — muitas vezes informal ou com peças de procedência duvidosa.
E a tendência é que outras montadoras passem a adotar ações semelhantes nos próximos anos. O sucesso do Circular Autopeças será observado de perto por toda a indústria.



