Em um movimento drástico, mas necessário para conter o agravamento de sua crise financeira, a Nissan Motor Company anunciou, nesta semana, um plano global de reestruturação que inclui a demissão de 20 mil funcionários, o fechamento de sete unidades fabris e uma ampla simplificação de seus processos de produção e fornecimento de peças.
Intitulado de Re:Nissan, o plano tem como metas principais alcançar lucro operacional e fluxo de caixa positivo até o final do ano fiscal de 2026, além de economizar o equivalente a R$ 19 bilhões frente aos números atuais.
Um alerta vermelho no balanço
A montadora japonesa vive uma fase particularmente delicada. Apenas no primeiro trimestre fiscal, foi registrado um prejuízo operacional de 200 bilhões de ienes (cerca de R$ 7,9 bilhões). A profundidade dessa perda acendeu um sinal de alerta global e acelerou decisões que já vinham sendo cogitadas internamente desde o ano passado.
A proposta da reestruturação inclui a redução de 70% na complexidade de peças utilizadas nos veículos — o que significa não apenas menos variabilidade nas linhas de montagem, mas também um enxugamento das parcerias com fornecedores e uma revisão profunda dos modelos oferecidos em cada região.
Mercados estratégicos e os “customizados”
Segundo o comunicado oficial, a Nissan vai focar seus esforços em seis mercados considerados estratégicos: Estados Unidos, Japão, China, Europa, Oriente Médio e México. Esses países continuarão sendo centrais na produção e vendas globais da empresa. Para os demais — classificados como “mercados customizados” —, haverá estratégias específicas de acordo com o desempenho e o potencial local.
E é exatamente nesse grupo que o Brasil pode estar inserido. Embora não tenha sido citado explicitamente como um dos mercados principais, o país aparece indiretamente no plano, especialmente após a decisão da marca de fechar a unidade de produção da Argentina em março deste ano. Como consequência, a picape Frontier, antes fabricada por lá, passará a vir do México — reforçando o status do país norte-americano como um dos polos globais mais importantes para a montadora.
Brasil ainda tem peso — mas por quanto tempo?
Apesar das incertezas sobre seu futuro no plano global da empresa, o Brasil continua tendo uma presença industrial relevante. No mês passado, a Nissan iniciou a produção da nova geração do Kicks na fábrica de Resende (RJ). O modelo é peça-chave no ciclo de investimento da marca na América Latina, que soma R$ 2,8 bilhões até 2025.
A nova plataforma V, que já sustentava o Kicks de primeira geração (rebatizado por aqui como Kicks Play), será usada também em um SUV inédito prometido para o mercado nacional até março de 2026 — data que coincide com o encerramento do atual plano fiscal japonês. A produção nacional, portanto, segue em operação com um projeto vigente, mas sem garantias expressas para o longo prazo.
A depender da rentabilidade da unidade brasileira nos próximos trimestres, o país pode ser incluído como polo fixo — ou, como já ocorreu com a Argentina, acabar reposicionado. A estratégia “customizada” dá liberdade à Nissan para recalibrar rapidamente seu mapa industrial, conforme o retorno financeiro de cada filial.
Troca de comando e fim de fusões frustradas
A reestruturação administrativa da Nissan já vinha dando sinais claros de que algo mais profundo estava por vir. Em 2023, a empresa passou por uma troca de CEO, além de reformular sua aliança histórica com a Renault, reduzindo a participação cruzada entre as companhias de 15% para 10%. A intenção foi conceder maior autonomia operacional a ambas, sobretudo em tempos de crise.
Outro episódio marcante foi a tentativa fracassada de fusão com a Honda, que poderia dar origem a um novo gigante automotivo japonês. As negociações, no entanto, foram encerradas sem sucesso no início de 2024. A gigante Foxconn, conhecida por montar os iPhones da Apple, também chegou a demonstrar interesse em adquirir parte da Nissan, mas o interesse não avançou.