A indústria automotiva brasileira está se preparando para uma virada de chave. No Summit Futuro da Mobilidade 2025, os principais nomes do setor — incluindo GM, Renault, Stellantis e GWM — deixaram claro que o país vai acelerar, ainda que em terreno instável, a produção de veículos híbridos e elétricos, com estratégias voltadas tanto para o consumo interno quanto para exportação.
Em meio às incertezas geradas por novos cenários tarifários e debates sobre incentivos e impostos, os executivos reforçaram que o futuro da mobilidade no Brasil passa por uma adaptação regionalizada, investimento em tecnologias sustentáveis e uma dose extra de resiliência diante das mudanças econômicas e regulatórias globais.
Adaptação regional: a chave para sobreviver ao cenário global
Em um painel que reuniu os principais CEOs e diretores das montadoras presentes no Brasil, o consenso foi unânime: é preciso projetar veículos pensando nas especificidades do mercado latino-americano, não apenas importar soluções prontas.
Segundo Emanuele Cappellano, CEO da Stellantis para a América do Sul, os produtos não podem mais depender da volatilidade das cadeias globais de suprimentos, sendo necessário alinhar o desenvolvimento à realidade local. Essa estratégia já se reflete no portfólio da empresa, que hoje produz modelos com foco no Brasil e países vizinhos.
Na mesma linha, Ariel Montenegro, presidente da Renault do Brasil, destacou que 30% da produção da marca é direcionada à exportação, o que reforça a importância de uma abordagem estratégica focada na América do Sul. Essa visão se mostra ainda mais relevante diante do cenário geopolítico, com mudanças nas relações comerciais com a China, União Europeia e Estados Unidos.
GWM: fábrica em SP e promessa de veículos flex até 2026
A Great Wall Motors, que recentemente iniciou suas operações industriais no Brasil, também tem planos ambiciosos. Com uma planta recém-inaugurada em Iracemápolis (SP) e capacidade inicial de 50 mil veículos por ano, a marca chinesa confirmou que terá modelos híbridos com motor flex a partir de 2026.
Essa tecnologia será incorporada tanto na linha Haval H6 quanto no utilitário 4×4 Tank 300, ambos já vendidos em versões eletrificadas. A proposta é usar o Brasil não apenas como polo de consumo, mas também como base de exportação para a América Latina, ampliando o alcance dos veículos da marca.
O papel do etanol na descarbonização
Enquanto a eletrificação total ainda enfrenta obstáculos como infraestrutura de recarga e custo elevado de produção, o etanol ganha força como solução de transição. Considerado uma fonte energética de baixo impacto ambiental, o etanol pode ser combinado a motores híbridos como uma resposta eficiente à descarbonização da frota brasileira.
Cappellano reforçou essa aposta, mencionando a possibilidade de fabricar modelos da Leapmotor, subsidiária chinesa da Stellantis, em território nacional. A proposta seria utilizar a estrutura flex brasileira em conjunto com tecnologias elétricas, gerando veículos híbridos mais acessíveis e adaptados ao bolso do consumidor local.
Imposto do pecado: ameaça à modernização do setor
Apesar do otimismo com os investimentos em veículos eletrificados, o setor automotivo demonstrou forte preocupação com o chamado “imposto do pecado”, que poderá incidir sobre produtos considerados prejudiciais à sociedade, incluindo veículos movidos a combustão.
Executivos foram enfáticos ao apontar os riscos dessa medida. Chamorro, presidente da GM na América do Sul, questionou a lógica de incluir o setor automotivo em uma categoria de penalização: “Estamos investindo bilhões e seremos punidos com novas taxas?”. Para ele, a taxação desestimula a renovação da frota e pode travar o avanço das tecnologias de baixa emissão.
Fernandes, da GWM, acrescentou que a proposta ignora os esforços do setor em eletrificação e inovação, e pode desestimular o crescimento da produção nacional de híbridos. Já Ariel Montenegro (Renault) lembrou que o Brasil ainda vive os efeitos econômicos da pandemia, com juros altos e inadimplência crescente, o que dificulta a expansão do mercado de veículos novos.
Renault e Geely: parceria promete linha elétrica nacional
Como parte da estratégia de expansão no Brasil, a Renault pretende iniciar ainda este ano a segunda fase de sua parceria com a chinesa Geely, com foco na produção de modelos híbridos e elétricos na fábrica de São José dos Pinhais (PR).
Esse acordo marca um passo significativo na transição da montadora francesa rumo à eletrificação no país, reforçando o papel do Brasil como plataforma industrial para novas tecnologias automotivas.
O futuro não espera
Mesmo diante de entraves regulatórios e cenário econômico desafiador, as montadoras estão claramente dispostas a apostar em um novo ciclo de eletrificação no Brasil. O recado do Summit é claro: não há mais espaço para hesitação. Os investimentos já começaram, e o país tem a chance de transformar sua matriz veicular com soluções próprias — combinando tecnologia, biocombustível e produção local.
A pergunta que fica é: o governo e o ambiente regulatório estarão à altura do desafio?



