Com a previsão de uma frota de 2 milhões de veículos eletrificados até 2030, o Brasil se prepara para uma transformação silenciosa, mas profunda no setor automotivo. A manutenção de carros elétricos, que hoje ainda representa um nicho, deverá movimentar cerca de R$ 5 bilhões por ano na próxima década, de acordo com projeções realizadas pelo Porto Digital, polo de inovação tecnológica sediado em Pernambuco.
Mais do que uma tendência, o avanço dos carros elétricos e híbridos plug-in exige uma reconfiguração completa da cadeia automotiva, especialmente no pós-venda. Isso inclui desde a modernização das oficinas mecânicas até a formação de profissionais com conhecimento técnico específico em eletrônica embarcada, sistemas digitais e softwares de gerenciamento.
O custo de manter um carro elétrico no Brasil
Ainda que os veículos movidos a bateria apresentem menor desgaste mecânico em comparação aos modelos a combustão — por dispensarem trocas constantes de óleo e possuírem menos componentes móveis — eles demandam manutenção especializada. Cada carro deve gerar, em média, um custo de R$ 2.500 por ano com revisões, atualizações e troca de peças específicas. Ao multiplicar isso pela frota projetada, o impacto no setor de manutenção se torna evidente.
Mais de 500 mil veículos eletrificados já circulam nas ruas brasileiras. Boa parte desses ainda está coberta pela garantia de fábrica, mas conforme os anos avançam e os prazos se encerram (geralmente entre 3 e 5 anos), uma parcela crescente desses carros migrará das concessionárias para oficinas independentes e centros automotivos especializados.
Eletrônica e software: o novo desafio das oficinas
Ao contrário do que muitos imaginam, a principal complexidade dos carros elétricos não está no motor, mas na inteligência embarcada. Componentes como o BMS (Battery Management System), as ECUs (Unidades de Controle Eletrônico), sensores de condução autônoma, câmeras, radares e sistemas de conectividade exigem conhecimento técnico avançado.
Não se trata apenas de trocar uma peça: muitas vezes, é preciso diagnosticar falhas em códigos de software, aplicar atualizações de firmware, calibrar sensores e garantir a segurança ao manusear sistemas de alta tensão. Essa realidade ainda está distante da formação tradicional dos mecânicos brasileiros.
Falta gente qualificada: um alerta para o setor
Para o pesquisador Luiz Maia, professor da UFRPE e especialista do Porto Digital, o Brasil precisa reagir com rapidez. “A transição energética da mobilidade é um caminho sem volta, mas sem profissionais preparados, corremos o risco de assistir a essa revolução do lado de fora”, alerta.
A urgência, segundo o estudo, vai além do investimento em ferramentas ou infraestrutura. É preciso promover a requalificação de mão de obra, oferecer certificações em alta voltagem, instalar laboratórios de testes e fomentar a criação de programas técnicos voltados para veículos eletrificados. Isso vale tanto para centros automotivos quanto para escolas técnicas e universidades.
O papel das empresas e do poder público na transformação
O estudo também recomenda ações concretas para evitar um gargalo técnico nos próximos anos. De um lado, empresas do setor automotivo devem:
- Requalificar os técnicos atuais com treinamentos específicos
- Investir em equipamentos de diagnóstico avançado
- Firmar parcerias com instituições de ensino técnico
- Buscar certificações internacionais voltadas a veículos elétricos
Do outro, cabe ao setor público criar políticas de incentivo para empregos verdes, fomentar infraestrutura para recarga, além de regulamentar normas técnicas voltadas à segurança no manuseio de alta tensão.
A criação de incentivos fiscais para empresas que investem em formação profissional e a abertura de linhas de financiamento para oficinas que desejam se especializar são exemplos práticos de como o Estado pode ajudar a criar um ecossistema saudável para a mobilidade elétrica.



