A decisão do Governo do Estado de reduzir a alíquota do IPVA de 3,5% para 1,9% trouxe um fôlego imediato para motoristas paranaenses, mas acendeu o sinal vermelho nas prefeituras. Curitiba, com sua frota superior a 1,8 milhão de veículos, calcula uma perda de até R$ 400 milhões por ano nas receitas provenientes desse imposto. A capital recebe metade de todo o valor arrecadado com o licenciamento de veículos em sua região, o que torna o tributo essencial para manter a máquina pública girando — especialmente em áreas como mobilidade, pavimentação e infraestrutura urbana.
De acordo com o secretário de Planejamento e Finanças da cidade, Vitor Puppi, a única forma de neutralizar esse impacto seria praticamente dobrar o número de veículos licenciados — um cenário considerado improvável. A alternativa discutida com o Estado passa por uma revisão dos repasses de ICMS, com mudanças nos critérios do Índice de Participação dos Municípios (IPM), que define como o bolo da arrecadação é dividido.
Atualmente, cidades com forte produção agrícola e menor densidade urbana têm levado vantagem nesse índice, o que gera desequilíbrios para polos urbanos com grande frota e infraestrutura mais complexa. O desafio, portanto, não é apenas contábil: é estrutural.
A corda fiscal e o efeito dominó das tarifas dos EUA
Outro componente que pressiona a estrutura fiscal municipal vem de fora do Brasil — literalmente. A imposição de tarifas sobre produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos, incluindo componentes da indústria automotiva e máquinas industriais, já preocupa a equipe econômica curitibana.
Entre janeiro e agosto deste ano, os EUA foram o quinto maior destino das exportações de Curitiba, representando 6,2% do total negociado (US$ 89 milhões). Os produtos mais enviados incluem automóveis, tratores, instrumentos ópticos e médicos, além de máquinas industriais — todos com forte ligação ao parque industrial automotivo da capital.
Com a política tarifária adotada pela gestão americana, que retoma o endurecimento comercial iniciado na era Trump, esse número pode cair, reduzindo a competitividade das empresas locais e, por consequência, o volume de impostos arrecadados indiretamente pelo município.
Além disso, Curitiba aparece como segunda cidade do Paraná com maior volume de exportações para os EUA, atrás apenas de Campo Largo, o que reforça o risco de impacto direto na cadeia econômica.
Reforma Tributária: nova engrenagem, menos autonomia
O cenário se complica ainda mais com a chegada da Reforma Tributária, prevista para começar a ser implementada em fase de testes em 2026. O ponto mais sensível para os municípios é a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá tributos como o ISS e o ICMS. Embora a proposta traga promessas de simplificação e maior transparência, a perda de autonomia na gestão dos impostos municipais é evidente.
Com o IBS, a fiscalização e o recolhimento passam a ser responsabilidade de um Comitê Gestor Nacional, que terá 54 membros — 27 dos Estados (já definidos) e 27 dos municípios (ainda indefinidos). O temor de prefeitos e secretários é perder não apenas o poder de decisão sobre alíquotas, mas também a agilidade na gestão das finanças locais.
A mudança exigirá a adaptação de sistemas tributários, treinamentos técnicos e a construção de uma nova lógica fiscal, o que gera custo operacional alto e incertezas sobre previsibilidade de receita — especialmente em cidades com economia urbana forte e dependência de serviços, como é o caso de Curitiba.
Os reflexos no setor automotivo urbano
A junção desses fatores — queda do IPVA, insegurança tributária e redução nas exportações automotivas — coloca em risco investimentos estratégicos na mobilidade urbana, malha viária e, por extensão, no próprio mercado automotivo local. Com menos recursos, a tendência é que projetos de infraestrutura e incentivos à renovação de frota sejam congelados ou desacelerados.
Além disso, o impacto da Reforma Tributária também pode atingir montadoras, oficinas e concessionárias, principalmente em questões como carga tributária sobre peças, serviços e insumos, além do novo regime de apuração que ainda não está claro.
Para uma cidade com vocação industrial e automotiva como Curitiba, essas mudanças não são apenas números: são engrenagens que movimentam empregos, abastecem as ruas e influenciam diretamente o comportamento de consumo de milhares de motoristas.



