O trânsito das grandes cidades impõe desafios diários à fiscalização. Em meio a essa realidade, o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP) passou a usar inteligência artificial para identificar, com mais precisão, os veículos campeões de multas — automóveis que acumulam dezenas ou até centenas de infrações e circulam pelas ruas como se nada de irregular estivesse acontecendo.
A adoção da tecnologia marca uma virada no modelo de monitoramento urbano. O sistema estreou neste segundo semestre como um projeto-piloto e já deu resultado: três veículos com histórico pesado de transgressões foram apreendidos. Juntos, somam mais de mil multas, além de uma dívida que ultrapassa os R$ 330 mil em pendências de trânsito.
Chevrolet Astra com 602 multas abre a lista dos infratores
O primeiro flagrante emblemático aconteceu em setembro, quando um Chevrolet Astra azul foi abordado pela fiscalização no bairro de Pinheiros, na zona oeste da capital. O veículo somava 602 infrações e acumulava R$ 106 mil em débitos, valor que o tornava praticamente inviável de ser regularizado. Para piorar, o condutor abordado não possuía Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e sequer era o proprietário registrado do automóvel.
A apreensão foi possível graças ao novo sistema baseado em IA, que cruza dados de forma automatizada e identifica padrões de reincidência. Segundo o Detran-SP, os chamados “veículos contumazes” — que praticam infrações sistemáticas — agora passam a ser localizados de forma mais precisa.
Montana e Corsa também entram na mira do sistema
Antes do caso do Astra, outros dois veículos já haviam sido retirados de circulação. Um Chevrolet Corsa 2004/2005 apareceu na malha urbana com 229 infrações registradas e uma dívida que superava R$ 123 mil, valor seis vezes maior que sua cotação na Tabela Fipe. Embora antigo, o carro continuava em circulação sem qualquer restrição visível, o que chamou a atenção da nova plataforma de análise.
Em seguida, o alvo foi uma Chevrolet Montana 2014/2015, que acumulava 434 multas e um débito de R$ 101,6 mil. O modelo, que originalmente é associado a um perfil de uso comercial, evidenciou como a reincidência de infrações não está restrita a carros de passeio.
Como funciona a inteligência artificial aplicada ao trânsito
O sistema não opera apenas como um banco de dados. Trata-se de uma solução que utiliza algoritmos de aprendizado de máquina para detectar padrões de comportamento infrator, o que permite mapear motoristas e veículos mais propensos a violar as regras de trânsito. Além disso, o monitoramento contínuo ajuda a prever quais veículos apresentam maior risco de acumular novas multas, o que dá ao Detran uma base mais sólida para agir preventivamente.
A análise inclui dados como frequência de autuações, tipo de infrações cometidas, horários de circulação e regiões com maior reincidência, criando um perfil digital do infrator.
Projeto deve se expandir para outras regiões do estado
Inicialmente, o projeto está focado na cidade de São Paulo, mas já há previsão de expansão. O objetivo é que o sistema de fiscalização inteligente seja institucionalizado em todo o estado, ampliando a capacidade de resposta às irregularidades mais graves. Com essa nova abordagem, o Detran pretende reforçar não apenas a remoção de veículos irregulares, mas também a eficiência na aplicação de penalidades e no estímulo à regularização de débitos.
Segundo o órgão, a lista de veículos campeões de multas será atualizada trimestralmente, com base no histórico dos últimos doze meses. Isso permitirá que a operação mantenha foco nos infratores mais ativos, em vez de apenas reagir a denúncias pontuais.
Multas que superam o valor do carro: um retrato do descaso com o trânsito
Os valores apresentados nas apreensões chamam atenção por ultrapassarem, com folga, o valor de mercado dos veículos. Em alguns casos, como o do Corsa, a dívida representa mais de 600% do valor de revenda, o que mostra não apenas negligência do proprietário, mas também falhas históricas nos mecanismos de controle de reincidência.



