O setor automotivo brasileiro volta a pisar em terreno instável com o alerta emitido por entidades que representam montadoras e fabricantes de componentes. O motivo é a iminente crise de abastecimento de semicondutores, componente essencial na montagem de qualquer veículo moderno, que pode levar à interrupção das linhas de produção, afetar o emprego de milhares de trabalhadores e comprometer acordos comerciais no mercado externo.
O cenário preocupa fabricantes e fornecedores em toda a cadeia automotiva nacional, que veem nas recentes decisões internacionais — como a movimentação do governo holandês sobre o controle da empresa Nexperia — um possível gatilho para uma nova onda de instabilidade no fornecimento global de chips. No Brasil, a tensão remete ao colapso vivenciado durante a pandemia de covid-19, quando o setor praticamente paralisou diante da escassez global de componentes eletrônicos.
Sem chips, não há carro
Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a produção de cada veículo pode exigir entre mil e três mil chips. São esses semicondutores que controlam desde sistemas básicos, como ignição e injeção eletrônica, até itens sofisticados de assistência à condução, conectividade e segurança.
Sem eles, as fábricas literalmente param. E, neste momento, não há alternativa regional viável para substituição desses componentes no curto prazo. Ou seja, caso o abastecimento seja interrompido, a indústria brasileira não teria como reagir rapidamente. O risco não se limita ao impacto interno: contratos de exportação também podem ser comprometidos, o que traria perdas econômicas significativas para o setor.
Apelo por ação urgente
A Anfavea pediu formalmente a intervenção do governo federal, alertando que 1,3 milhão de empregos diretos e indiretos estão em jogo. O apelo foi reforçado pelo Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), que enviou uma carta ao vice-presidente da República solicitando apoio técnico e diplomático para manter o fornecimento regular de componentes eletrônicos — especialmente junto ao governo chinês, de onde vêm boa parte dos insumos da indústria.
A preocupação com o bloqueio logístico e geopolítico ganhou força depois que a Holanda passou a controlar uma das fabricantes de chips mais estratégicas da Europa, supostamente como forma de garantir a propriedade intelectual e proteger o mercado europeu de possíveis rupturas no fornecimento. Para o setor automotivo brasileiro, que ainda tem alta dependência da cadeia asiática, essas movimentações internacionais aumentam a sensação de vulnerabilidade.
Governo em alerta
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) reconheceu o problema e afirmou que está em diálogo com a indústria nacional para mapear possíveis impactos e encontrar soluções que evitem danos maiores ao setor. A nota oficial ressalta que o governo acompanha atentamente os riscos de interrupção na cadeia global de suprimentos, em especial os relacionados aos semicondutores.
Ainda que o governo tente atuar como mediador, o tempo joga contra a indústria. Os chips utilizados nos veículos não são genéricos: eles exigem processos de fabricação altamente especializados e longos prazos de entrega. Por isso, qualquer atraso no fornecimento pode se refletir imediatamente no chão de fábrica, atrasando lançamentos, reduzindo volume de produção e até suspendendo turnos de trabalho.
A ameaça da competitividade
A crise atual expõe também um problema crônico da indústria brasileira: a falta de autonomia tecnológica. Enquanto países asiáticos, como China, Japão e Coreia do Sul, investem fortemente em produção local de chips, o Brasil segue dependente de importações.
Com isso, a concorrência externa avança. Marcas chinesas que já ocupam entre 12% e 15% do mercado brasileiro em 2025 tendem a crescer ainda mais se a indústria local travar por falta de componentes. Montadoras como BYD e GWM, por exemplo, garantem que sua produção segue normalmente graças à integração vertical e ao fornecimento direto da matriz — estratégias que deixam as operações no país mais blindadas frente às incertezas globais.



