Em um movimento inédito, o Brasil passou a importar mais veículos e autopeças da China do que da Argentina. Esse dado, registrado em agosto, representa mais do que um simples ajuste no comércio exterior: trata-se de um divisor de águas para a indústria automotiva nacional, especialmente diante da crescente presença de montadoras chinesas em solo brasileiro.
O avanço chinês é visível nos portos, nas concessionárias e, cada vez mais, nas fábricas. Marcas como GWM e BYD não apenas ganharam força nas vendas de modelos 100% elétricos e híbridos, como também deram início à produção local de veículos em regime SKD, com montagem de unidades semidesmontadas e baixo conteúdo nacional — ao menos por enquanto.
GWM, BYD e GM: produção local muda o cenário
A liderança da China nas importações será, aos poucos, equilibrada com a nacionalização parcial da produção de seus veículos. A GWM já está operando em Iracemápolis (SP), enquanto a BYD avança com a conversão da antiga fábrica da Ford, em Camaçari (BA), para iniciar a montagem local de modelos como o Dolphin e o Seal. A GM, por sua vez, se prepara para produzir, ainda neste semestre, o compacto Spark EV no Ceará, em parceria com a Comexport, no mesmo polo onde era feito o Troller T4.
Embora todas essas fábricas estejam começando com o sistema SKD (semi knock-down) — ou seja, peças importadas que são montadas aqui — a expectativa é de que, com o tempo, haja maior incorporação de componentes nacionais, o que diminuirá a dependência das importações e poderá gerar reflexos no custo final dos veículos.
Efeito dominó: impacto nos emplacamentos e nas metas de vendas
Enquanto as montadoras se adaptam, o mercado interno de veículos novos continua crescendo, mas em ritmo mais lento que o previsto no início do ano. De janeiro a agosto, foram emplacadas 1,668 milhão de unidades entre leves e pesados — um aumento de apenas 2,8% em relação ao mesmo período de 2024. A alta dos juros é o principal vilão, freando os financiamentos e postergando decisões de compra.
Mesmo com essa desaceleração, a expectativa da Anfavea permanece otimista: a projeção é de um crescimento de 5% nas vendas totais até o fim de 2025, sustentada pelo tradicional aquecimento do segundo semestre.
No entanto, o cenário é desigual entre segmentos. O mercado de caminhões enfrenta retração, enquanto os veículos beneficiados pelo programa Carro Sustentável registraram alta de 26% nas vendas, apesar das margens apertadas para as montadoras. Esse incentivo, contudo, tem data para acabar: dezembro de 2026, quando entra em vigor a reforma tributária e o IPI será extinto, mudando mais uma vez as regras do jogo.
Motorização flex ainda reina, mas os elétricos avançam lentamente
A distribuição do mercado por tipo de motorização mostra que, apesar do barulho feito pelos elétricos, o motor flex continua soberano, com 74,8% de participação. Na sequência aparecem os veículos a diesel (10,2%), gasolina (4,6%), híbridos convencionais (4%), híbridos plug-in (3,5%) e, por último, os elétricos puros, que somam apenas 2,9% do mercado.
O crescimento dos veículos elétricos no Brasil ainda é tímido. Mesmo com isenções fiscais e incentivos diretos à importação, a penetração dos elétricos subiu apenas 0,4 ponto percentual em relação ao ano anterior. A expectativa é que esse cenário mude com a produção nacional em escala e a expansão da infraestrutura de recarga.



